terça-feira, 20 de setembro de 2011

A saída dos comerciantes do Varadouro


Uma vida pode se acabar por conta de um simples capricho de criar espaços públicos bonitos, bem aparentados para os turistas, onde um pedaço de parede histórico pode ser visualizado no mais profundo esplendor. Uma vida de pessoas humildes que ocupam calçadas públicas em busca de sua sobrevivência e que, com o passar dos anos, tornam-se um pedaço da cidade, vivo, pulsante, provedor de serviços e de prazeres, um pedaço humano dentro da estrutura de concreto fria da urbe.
Estou falando do recente show de horrores produzido pela municipalidade de Olinda, com toques refinados de crueldade típicos do stalinismo russo, algo já exorcizado da história do continente europeu, mas que anda em alta nos trópicos brasileiros, mais especificamente na cidade de Olinda.
Não faz nem um mês que os fiteiros do Carmo, uma tradição incorporada no imaginário coletivo do povo de Olinda, foram arrancados em nome do esteticismo urbano. Estamos como dizem orgulhosos nossos governantes, preparando nossa cidade para um turista exigente, preocupado com o ordenamento do espaço público, turista este que virá ao nosso país deixar seu dinheiro em 2014 no grande show midiático que é a Copa do Mundo. E aí, nos perguntamos, e a vida dessas pessoas, trabalhadores honestos que há mais de décadas ocupavam um pequeno espaço de calçada prestando um serviço à população e trazendo vida ao ambiente, como ficará a vida deles ? Pouco importa para os poderosos que estão comendo suas lagostas e camarões em restaurantes finos e que só olham o povo da janela fechada dos seus carros.
Agora surge uma notícia de que os comerciantes tradicionais do Varadouro também farão parte da guilhotina assassina dos stalinistas nordestinos. Parece que serão alvo do terror comerciantes populares com "Seu" Edson, o Edinho do fiteiro, lugar de grandes bate-papos sobre futebol, do cafezinho quente e do bolo mais gostoso de Olinda. Também será vítima "Dona" Joana, mitológica comerciante de revistas, figura tombada do nosso querido Varadouro. Pois é, estas pessoas, que são verdadeiros patrimônios imateriais de nossa cidade estão prestes a sofrer com a fúria da atual gestão olindense.
O que será de nós, moradores de Olinda? Teremos que viver numa cidade fantasma, projetada só para turistas, capazes de frequentar espaços artificiais que não fazem parte de nosso cotidiano? Teremos que assistir passivos a esse show de atrocidades contra o nosso povo, nosso verdadeiro patrimônio? O que é que estes comerciantes estão fazendo para atrapalhar o ordenamento da cidade? Eles já fazem parte da cidade e criam um espaço de convivência riquíssimo com os moradores. Estamos prestes, talvez, a presenciar um grande genocídio. Sairão as frutas maravilhosas de Queiroz, sairão dois grandes ícones desta cidade, Joana e Edson, para dar lugar ao vazio, a um pedaço de parede de um casarão secular. Isto é um crime. Não podemos assisti-lo de braço cruzados.
De fato, este tem sido um comportamento característico da grande globalização. Criar espaços artificiais, burocráticos, frios, distantes do povo, para alegrar os corações endinheirados do novo milênio. Assim foi em tantos lugares históricos e belos do mundo, que se transformaram em miniaturas fictícias globalizadas do turismo internacional. Parece que é o processo em trânsito na nossa vila histórica de Olinda. Criemos uma reação. Basta de passividade.

Roberto Rômulo
Olinda, 16 de agosto de 2011

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